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quinta-feira, 3 de maio de 2018

"Poema à Mãe" de Eugénio de Andrade



No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.


Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.


Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.


Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.


Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.


Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.


Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!


Olha - queres ouvir-me? -
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;


Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;


Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...


Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.


Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.


Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Um poema sobre livros de Eugénio de Andrade / Beautiful woman reading



Frederic Soulacroix,  1858-1933


Num exemplar das Geórgicas

Os livros. A sua cálida,
terna, serena pele. Amorosa
companhia. Dispostos sempre
a partilhar o sol
das suas águas. Tão dóceis,
tão calados, tão leais.
Tão luminosos na sua
branca e vegetal e cerrada
melancolia. Amados
como nenhuns outros companheiros
da alma. Tão musicais
no fluvial e transbordante
ardor de cada dia.


Eugénio de Andrade

domingo, 12 de janeiro de 2014

Lisboa, sabes...




Alguém diz com lentidão: 
"Lisboa, sabes..." 
Eu sei. É uma rapariga 
descalça e leve, 
um vento súbito e claro 
nos cabelos, 
algumas rugas finas 
a espreitar-lhe os olhos, 
a solidão aberta 
nos lábios e nos dedos, 
descendo degraus 
e degraus 
e degraus até ao rio. 

Eu sei. E tu, sabias? 


Eugénio de Andrade

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